Corações Sujos, a história de um Brasil Japonês

Corações Sujos é um filme sobre intolerância, fundamentalismo, racismo e amor, baseado no best-seller de Fernando Morais e passado no interior de São Paulo logo depois da Segunda Guerra Mundial. Ele conta a história do imigrante japonês Takahashi, dono de uma pequena loja de fotografia, casado com Miyuki, uma professora primária. Inspirado em fatos reais, Corações Sujos nos mostra a transformação de Takahashi de homem comum em assassino, enquanto sua mulher luta contra o destino, tentando em vão salvar seu amor em meio ao caos e à violência. No Brasil, logo depois da guerra, a imensa população de imigrantes japoneses (a maior fora do Japão) era segregada e reprimida pelo Estado. Para estes imigrantes, oprimidos numa terra estranha, a ideia de derrota na guerra era muito dolorosa. Muitas organizações, alimentadas pela ignorância imposta a eles pelo governo brasileiro, nasceram dedicadas a divulgar a “verdade” da vitória do Japão na guerra e a reprimir e assassinar os “derrotistas” – os “corações sujos”. Takahashi reluta, mas acaba se tornando membro de um destes grupos. A escolha feita por ele, em nome do Espírito Japonês, o transforma também num matador. E Miyuki, sua mulher, nos conta como sua história de amor se perdeu em meio à guerra fratricida – de japoneses contra japoneses – que aconteceu em pleno interior do Brasil.

A velha pergunta está no ar: o filme é tão bom quanto o livro? Sim e não.
Vicente Amorim, diretor do filme, conseguiu captar muito bem a essencia do livro de Fernando Morais.
Com um elenco de primeira linha, encabeçado pelo famoso ator japones Tsuyoshi Ihara, de filmes como Cartas de Iwo Jima e Ninja, o filme Corações Sujos emociona.
Cada cena foi trabalhada para se tornar uma pintura. Para aqueles que leram o livro, sentirão falta de alguns detalhes da época, como os problemas enfrentados pela Comunidade Japonesa, que foram as expulsões de seus lares nas grandes cidades como São Paulo, etc.
Mas isto também está lá, só que mostrado de uma maneira quase imperceptível.
Amorim preferiu dar enfase a “guerra” entre os colonos japoneses. Takahashi é um bom homem, um ótimo marido e um artista, afinal, ele é um fotógrafo.
E aos poucos, seu mundo vai se modificando. A vida simples em uma pequena cidade não é mais a mesma. A Guerra até então só ouvida pelo rádio e que até então estava tão longe, agora está dentro da vida de cada um deles.
Aceitar a derrota não é uma escolha. O Japão nunca perdeu uma batalha. Então, como dizer que foram derrotados?
Aqueles que aceitaram a rendição de seu país, são chamados de Corações Sujos, traídores do Império.

Outro aspecto interessante neste filme é que em nenhum momento é citado o nome Shindo Renmei, em tradução, a Liga do Caminho dos Súditos, ou seja, um grupo totalmente nacionalista criado no interior de São Paulo, que cometiam atos violentos (inclusive assassinatos), contra todo japones que acreditasse na derrota do Japão na 2ª Guerra Mundial.
Vale destacar que o livro não é um romance. Ele é um documentário sobre os problemas que todos os imigrantes do Eixo – Itália, Alemanha e Japão -, tiveram no Brasil, mas em específico, o japonês.
Os mais antigos lembram-se bem desta época “suja” da história do Brasil, onde até times de futebol tiveram que mudar o seu nome. Os chamados Palestra Itália sofreram com perseguições e quase foram extintos. Hoje são os times do Palmeiras e Cruzeiro.
E novamente, o filme é diferente também neste ponto ao livro. Vicente Amorim toma o cuidado de não tomar partido, apenas de informar o acontecimento através dos olhos da personagem Miyuki e também da pequena Akemi. Por sinal, ela é mais o elo de ligação no filme do que propriamente o elenco adulto.
A pequena atriz paulistana Celine Miyuki superou várias outras candidatas ao papel de Akemi, a filha de Sasaki e Naomi, outros personagens fundamentais na história, roubando a cena com seu sorriso e drama.
A trilha sonora é vigorosa, com um violino que entra na alma, levando o expectador a sofrer junto com os personagens e a se questionar o quão errado é aceitar a tradição aos limites do fanatismo.
Um outro ponto para o diretor. Mostrar que o fanastismo não é apenas religioso, mas cultural. E que um homem que não questiona, está fadado a cometer erros e injustiças na vida de outros.
Corações Sujos é um filme forte. Pega na alma e no coração, seja o expectador um brasileiro, japones ou descendente.
A película pode sofrer com alguns críticos que o julguem como apenas mais um filme, com outras mídias que virem o rosto e até mesmo com alguns japoneses que não aceitem este passado.
Mas ele está aí e vem para questionar algo que em nenhuma escola é mostrado: o Brasil foi um país que teve seus erros e ainda não os pagou.
E como bem dito pelo personagem Takahashi, “a solidão e o desprezo, é minha melhor punição”. Quer saber por quê?
Confira a partir do dia 24 de agosto! Leia o livro, assista ao filme! E saiba, que isto faz e fez parte de nossa história.

E que suba o letreiro! Até a próxima!